A Golden Cross, que teve liquidação extrajudicial decretada há dois meses, tem uma dívida de cerca de R$ 200 milhões com hospitais, clínicas e laboratórios de saúde. Como a operadora atuava no Rio de Janeiro, a maior parte do débito está na capital fluminense, segundo a Associação dos Hospitais do Estado do Rio de Janeiro (AHERJ). As informações são do Valor Econômico.
Marcus Camargo Quintella, presidente da AHERJ, disse que não tem quem acionar e não há uma forma de entrar em contato com a operadora. “Não temos quem acionar, ninguém atende ao telefone, não tem com que falar na Golden Cross. Eles não têm provisão. Tomamos um tombo e caminhamos para outro com a Unimed-Ferj [que deve R$ 2 bilhões a estabelecimentos de saúde]. A situação para os prestadores de saúde no Rio está muito complicada”, comenta ele.
As regras da Lei de Falências também são válidas às operadoras de planos de saúde que entraram em liquidação extrajudicial, como é o caso da Golden. Sendo assim, as reservas são destinadas, inicialmente, para pagamento de funcionários e tributos. Especialistas do setor explicam que, posterior a estes agentes, vêm os estabelecimentos de saúde.
A Golden Cross não divulgou os resultados do primeiro trimestre deste ano e, por isso, não há como saber sobre as reservas atuais. No final de 2024, a operadora tinha provisões de R$ 262,3 milhões, sem considerar ressarcimentos ao Sistema Único de Saúde (SUS). Desse total, R$ 193,7 milhões eram destinados para pagamentos de procedimentos médicos que já tinham sido realizados pelos estabelecimentos de saúde.
Conforme divulgado pelo Valor Econômico, as operadoras são notificadas sobre esses procedimentos, com respectivos valores, que precisam ser provisionados até a chegada da conta médica. Caso os recursos não tenham sido usados para pagar prestadores até a data de liquidação extrajudicial, a reserva entra para pagamento dos credores conforme a Lei das Falências.
Há ainda uma outra reserva técnica obrigatória, chamada Peona, referente a procedimentos médicos efetivados, cujo valor da conta ainda não se sabe. As operadoras fazem uma estimativa com base em seu histórico de gastos. Nela, a Golden Cross tinha apenas R$ 1,7 milhão ao fim de 2024 e chama atenção o quanto essa provisão caiu ao longo do ano passado. No segundo trimestre, havia quase R$ 200 milhões para pagar as despesas médicas futuras.
Autorizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a redução pode ser explicada por prejuízos e saques de reservas. A Golden Cross finalizou 2024 com um patrimônio líquido negativo de R$ 158 milhões.
O fechamento das atividades da Golden Cross coloca em xeque as chances da União conseguir o pagamento de uma dívida tributária bilionária que vem sendo discutida na Justiça há mais de 20 anos. Um passivo fiscal da ordem de R$ 7 bilhões e um acordo do Refis permitiram o pagamento com parcelas tão ínfimas que a quitação se daria em 13 mil anos. Dado o prazo alongado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) pediu a exclusão do programa de parcelamento de dívidas. A operadora, por sua vez, conseguiu no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em 2024, o cancelamento dessa exclusão, em medida cautelar.
Entre 1989 e 1996, a operadora era gerenciada pelo Instituto Semear, uma entidade filantrópica, que se valia da imunidade tributária, ocasionando essa dívida. No entanto, a entidade foi desenquadrada da isenção porque o negócio principal era a venda de planos de saúde. Diante da medida, o Instituto Semear transferiu, em 1996, a operação de plano de saúde para uma nova empresa, a Vision Med, e ficou com o passivo tributário. A entidade entrou no Refis em um acordo que permitia pagamento equivalente a um percentual baixo sobre a receita.
Com a transferência da carteira de planos de saúde, o faturamento era todo gerado na Golden Cross e não mais no Instituto Semear. Assim, a quitação do débito tributário levaria os 13 mil anos, o que gerou o questionamento da Fazenda Nacional. Agora, com a recente liquidação extrajudicial da Golden Cross, fica a dúvida sobre como se dará a cobrança desse passivo tributário.
A ANS afirma que a “decretação da liquidação extrajudicial de operadora de planos de saúde leva, por força de lei, ao cancelamento de todos os contratos anteriormente vigentes. De forma que, após decretada a liquidação extrajudicial, qualquer credor pode entrar em contato com a liquidante extrajudicial para verificar a possibilidade de inserção de seu crédito no passivo da liquidanda. Qualquer questão relacionada a créditos perante a Vision Med (Golden Cross) deve ser tratada com a liquidante extrajudicial, tendo só ela competência legal para se pronunciar em nome da liquidanda.”
A liquidante extrajudicial nomeada pela ANS é Ana Claudia Mathias Naufel. O portal Valor Econômico tentou contato com ela, mas, até o fechamento da matéria, não teve retorno.O Valor também não conseguiu falar com a Golden Cross, que não tem mais site e telefone disponíveis. Em e-mail enviado à área de contencioso da operadora, há uma resposta automática com a resolução da ANS sobre a liquidação extrajudicial.
Após a publicação desta reportagem, a ANS informou que não autorizou a Golden Cross a sacar recursos de provisões técnicas. Além disso, informou que “as informações detalhadas sobre a situação econômico-financeira das operadoras de planos de saúde são sigilosas [item XVII do Anexo da Resolução Normativa 481], não podendo ser divulgadas.” Nota da redação: em janeiro, a Golden Cross informou que fez movimentações em torno de R$ 80 milhões para pagamento da rede referenciada e reembolso aos beneficiários dos planos de saúde.
Fonte: CQCS l Manuella Cavalcanti com informações do Valor Econômico
